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terça-feira, 20 de abril de 2010

Ensaios sobre o amor VI


ENSAIOS SOBRE O AMOR: MAIS P’ROFUNDO (DO POÇO)

PARTE I
Vou lhe contar, o pouco que tenho feito não me anima, justamente por ser tão pouco que nem mesmo eu consigo perceber. E eu a admiro tanto quando vejo essa sua decadência; eu sinto inveja de quem se deixa levar pelo buraco, pela autodestruição, desejo para mim essa coragem e força de sustentar o próprio drama até o fim, de tudo. Por que eu fui buscar ajuda? Eu não quero solucionar os meus problemas porque ainda não aprendi a sobreviver sem um pretexto para ser a vítima.
Não espero que alimentem por mim alguma simpatia, que me façam promessas de um futuro bom; que pousem as mãos sobre meus ombros e me confortem. Eu quero uma escada para o fundo, quero um corte mais profundo, me leve cada vez mais para o fundo com você, divida seu sofrimento comigo, me ponha de castigo.

PARTE II
Por que eu não deixo esse monte de papéis e lixo acumular sobre a mesa? Quem sabe eu possa arrumar tudo uma única vez ao fim do dia. Será que isso iria lhe decepcionar? Quantos de vocês consideram este lugar como seu próprio lar? E se eu começar a bagunçar os documentos, quebrar seus enfeites, riscar as paredes, rasgar suas fotografias, desmontar as estantes, derrubar as cortinas; e a luz vai se espalhar pela sala, os pedaços do que eu destruí vão ficar espalhados pelo chão, ganhando cores e vida, cortando e sangrando seus pés descalços, abrindo feridas, deixando marcas, ouvindo batidas. Ninguém toca a campainha, essa noite eu vou dormir sozinha.

PARTE III
Sentidos. Pele, boca e ouvidos. Sentidos. Amores que foram sentidos. Desisto. Tenho pouco papel, poucas idéias e poucas verdades, mas continuo enchendo páginas de bobagens. Preciso diminuir minha caligrafia, ou quem sabe a monotonia.
Preciso diminuir as vontades e também a coragem. A sede, o sono e essa dor de abandono. Preciso do cheiro, do beijo e da voz. Preciso de um carro veloz, para atirar-me com força e depressa contra um poste; preciso de uma fortuna, para doar aos pobres antes de morrer; preciso de um costume, para deixar como herança e lembrança se você resolver aparecer; preciso de um cofre, para guardar uma carta que jamais deixaria você ler; preciso do toque, do gosto e do ser. Eu sei quem é você.

PARTE IV
Aqui embaixo é escuro, úmido e solitário. Aqui embaixo é quase um aquário, é um riacho de águas tranqüilas, tão raso. Aqui embaixo nós somos por acaso, sabemos que há milhares de pessoas por aqui, mas jamais nos encontramos. Aqui nós nos livramos de tudo e de todos. Não há desculpas e nem falsas demonstrações de afeto, esse lugar sempre foi meu projeto.
Mas livrar-se definitivamente de todos é o mesmo que distanciar-se de si. É o caminho mais curto para o não existir. Aqui embaixo ninguém exige satisfações; ninguém implora por seu amor; ninguém guarda rancor; ninguém inventa boatos e ninguém distorce os fatos. Sempre haverá dor, lembranças, suspiros, esperança.

PARTE V
Se eu dormir aqui embaixo, você vai aparecer em um sonho que eu não consigo tornar real. Eu sinto todas suas lágrimas, como se cada uma fosse um prego que atravessa minha pele. Eu sinto cada vez que você recorda algo de mim, que você pensa no meu nome. Eu ouço você me chamar. Eu sei que todas as coisas que doem em mim, também ferem você. Sei das suas angústias mais profundas e das suas fraquezas. Sei o quanto é difícil ser você, porque só eu te conheci de verdade, no mais íntimo do seu desespero.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

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