Powered By Blogger

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Ossos alheios


Uma enxurrada de palavras borbulhava em minha mente – hora errada; o caderno está longe, o veículo em movimento – impossível escrevê-las antes que se percam. Todos os meses é o mesmo dilema: é preciso cortar o cabelo, cortar os gastos, cortas as unhas, cortar as festas, cortar os retratos antigos. Uma vida de lâminas sempre afiadas; histórias com finais mal contados. Eu a abraçava como quem abraça a uma serpente, preparada para dar o bote a qualquer momento: venenosa. Perpassada de rancor e medo – dos seus olhos dissimulados e frios – eu guardava esse vendaval de sentimentos antes que me comprometessem. Assumi-los seria submeter-me a minha própria verdade.
Quando gasto meus dedos procurando uma fuga para minha aflição é porque não sou mais capaz de confessar. Os problemas nunca se firmam realmente claros, e eu me pergunto o que pode estar me deixando tão irritável e intolerante. Provavelmente alguma ausência, uma saudade sem nome. Desisti de compreender e parti para as válvulas de escape imundas: constantemente jorrando ódio, como um animal guloso, faminto e carnívoro, esbravejando, gritando insolências. Meu vocabulário tornou-se impróprio, as palavras sujas escorrem entre meus lábios sem que eu tenha tempo para contê-las – num tom ríspido – com um olhar de ameaça. Deve ser culpa dessas malditas amarras que sinto prendendo meus membros. Queria desabar de uma escada e quebrar alguns ossos para poder sabê-los meus.
As diversões moram em outras cidades, meu inferno é um rosto pálido desaparecido no outro lado do país, meus sonhos são precários, difíceis de recordar: lembro-me apenas de ter acordado com ela doendo em mim, fisicamente. Ela que sempre foi sofrimento desperdiçado, decididamente o percurso mais infeliz e o esforço mais mal gasto. Todos os dias ter de tomar coragem para dar o primeiro passo, porque é preciso ir a dezenas de lugares, mesmo com as pernas ardendo em cansaço e desgaste.
Lembrar de não reclamar: porque ninguém vai se importar com as suas dificuldades enquanto há uma multidão de desgraçados e um sem fim de catástrofes acontecendo lá fora. Qual seria o som da liberdade se ela de fato existisse? Imagino que você tenha pensado em pássaros assoviando e uma brisa suave e fresca em seus cabelos e rosto. Ora, não se engane: isso não passa de um instante. Nem mesmo o alardeado “salvador da humanidade” conseguiu ser eterno; e depois de tanto espetáculo repleto de dor e sangue ainda existem tantos que descarregam blasfêmias no papel sem sentir o mínimo de culpa.
Que cor teria o céu durante o primeiro beijo com seu primeiro amor? Você só pode ter pensado numa mescla em tons de vermelho, cor-de-rosa e dourado; mas vá lá, se é o primeiro como você pode afirmar que é amor? Qual é o intuito de um cenário perfeito se os olhos se fecham? Acredito que a maioria das pessoas jamais notou.

Written by: Angélica Manenti

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Depois


Se eu tivesse a capacidade de voltar a amar, algum dia, eu queria poder amar você, que foi o mais perto de estar completa que eu já me senti.
Hoje eu olho para os amores nas ruas, sem aqueles olhos de inveja; já muito fria e livre de toda aquela ambição de amar. Antes eu sentia ânimo para enfrentar o mundo, forças para levantar quando caísse, saúde para regenerar as feridas; mas o tempo muda nossos tesouros de lugar, leva para muito longe, onde parecem impossíveis de alcançar.
Gosto quando você faz o resto todo parecer que não existe; quando fixa o olhar em mim e demonstra apreciar minhas palavras, minhas maneiras, meus ideais, minha forma de lhe dar ouvidos; mas confesso que sinto isso já sem aquela ansiedade de te amar depressa, talvez em grande parte por medo de estar me equivocando outra vez, e com alguém que há muito eu deveria ter aprendido a me controlar.
E todas estas confissões que escrevo não podem cair em suas mãos, ou ao menos eu continuo dividida quanto a isso pelo fato de que eu costumo interpretar as coisas em meu favor; consequentemente eu devo estar enxergando apenas o que me convém, distorcendo suas frases para acalentar um coração demasiadamente necessitado de afeto e carente de acertar nas suas tentativas.
Pode ser que eu me engane com seu jogo dissimulado, que eu pense ter mudado o que na verdade permaneceu; que tenha enfim reconhecido um outro sentimento por mim onde não há nada, e posso ainda terminar por lhe mostrar estes parágrafos desesperados, me incriminando na esperança de que eles confirmem nossas suspeitas comuns, ou que lhe sirvam como uma deixa para dar um passo adiante. Ilusão: o mais provável é que eu estragaria tudo lhe fazendo ler isto, arruinando a amizade e a consideração que foram tão difíceis de reconquistar.
Por hora, o mais acertado é guardar esse amor e parar de alimentar esperanças infundadas. E você, que gosta tanto de ler o que eu escrevo, vai precisar passar um tempo acreditando que me morreu a inspiração, que parei de sentir amor à coisa alguma, que não produzo mais palavras suficientes, que descansei das dores, que parei de procurar, que sosseguei a alma sozinha: vazia.

Written by: Angélica Manenti

O casal de pingüins gays


No zoológico de São Francisco (EUA), em 2003 os pingüins Harry e Pepper (dois machos) se tornaram amigos e quando todos acreditavam que o relacionamento não passava disso, viram que os dois estavam construindo um ninho juntos: Harry recolhia grama e levava até Pepper que organizava tudo em sua “casa”. Ambos não demonstravam interesse pelas fêmeas que ficavam próximas a eles. Assim o namoro dos dois perdurou por seis anos e chegaram até a criar um filhote adotado de outro casal de pingüins.
A vida parecia pacata no aconchegante ninho de Harry e Pepper, até a chegada de Linda em 2009: a fêmea mexeu com os brios de Harry e este abandonou seu parceiro para ficar com a sirigaita. A notícia da separação causou revolta na internet, e Linda ganhou a alcunha de “destruidora de lar”.
Restou Pepper, solitário em seu ninho.

(Na foto: Pepper, o traído)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Pensando em escrever


Ouvi, logo atrás de mim, um tilintar qualquer dos meus medos, enquanto tentava me convencer de estar segura porque já carregava o controle nas mãos e não precisaria parar de caminhar. Perdi meu caderno-confessionário na interminável bagunça do meu armário; desacreditei tuas palavras: uns contradizendo os outros e inventando confusões desnecessárias, o mundo girando ao contrário. Tenho preguiça de celebrar datas de aniversário, restaram poucos cigarros, os livros se acumulam desordenados, os pés congelam descalços. Temos mais uma tarefa, um incontável assomo de sono perdido e uma quantidade de café percorrendo meu sangue suficiente para prolongar mais uma noite em claro. Quero descansar, seu tempo está me matando de tanto esperar. Queria uma recompensa que nunca virá: um reconhecimento, uma vitória, ou quem sabe bastasse mesmo um abraço que não fosse de má vontade. Estou exausta de me conformar, me consolar, me ajudar a levantar. Já demorei mais do que uma madrugada, inútil, tentando escrever quando eu só sabia mentir. Não queria gastar tempo descrevendo a cor dos olhos ou dos cabelos, a voz, o sorriso ou o jeito de andar; queria as cores todas nesse pedaço de papel: vivas, pulsando e me atacando; exigindo de mim as últimas inspirações, me roendo, me sangrando e incriminando. Queria a culpa do mundo toda sobre as minhas costas e o delírio gotejando. Queria um apego sincero, incondicional, que não desistisse de mim quando parecesse maluca; que não sentisse vergonha de mim quando eu brigasse pelas minhas idéias; queria que “amar” tivesse algum sentido verdadeiro e que não fosse só mais uma dívida do coração. Não quero mais me lamentar e parecer uma teimosa andando na contramão. Não quero mais responder tuas perguntas, porque já me cansei de te enganar.

Written by: Angélica Manenti

Meras semelhanças


Eu pensei que você era aquela de quem eu não sentiria saudades quando fosse embora, mas hoje eu me peguei pensando em você. Deve ser fraqueza, porque eu até me convenci de que não via nada de especial no seu sorriso. Deve ser essa solidão sem dono que já não me deixa lamentar a distância entre nós, visto que hoje não basta ter o dinheiro para pegar um ônibus até sua cidade. De repente há tantas coisas as quais eu não posso consertar, porque eu nem ao menos vi como foram acontecendo: num dia eu não sentia medo algum de lhe perder, pois sabia que lhe tinha nas mãos; noutro você nem me respeitava mais, agindo como se fossemos inimigos nessa sua batalha para ser uma adolescente rebelde. Difícil mesmo é acreditar que lhe ouvi dizendo todas aquelas palavras contra mim, você que parecia tão inocente e desprotegida. Por um instante me senti fracassada, depois deixei de entender o que significava tudo aquilo.
Será possível que eu seja tão pequena ao ponto de fazer tudo se tornar tão frustrante? E cada gesto seu me faz entender que você não era nada daquilo que eu acreditava. Será que cada lembrança trará sempre à mesma dor, e essa vaga sensação de que podia ter sido diferente?
Será que histórias como a nossa tendem a começar e terminar exatamente iguais, por culpa da minha falta de atenção na hora de tomar as decisões? E mesmo tendo feito tudo certo, eu continuo condenada a tropeçar em erros cada vez mais insignificantes e imprevisíveis. Será que está em mim o talento de pôr tudo a perder?
E mesmo tendo conquistado todas as garantias possíveis, sempre resta uma chance de tudo se estragar. Porque a vida não é dessas que dão garantias, muito menos oportunidades de voltar atrás. As palavras escolhidas sob pressão, no momento do medo maior, são as que definem o resultado; e não funciona mais esbravejar que foi injusto. Se alguém deseja tudo, que venda a alma ao diabo, afinal, os bons só perdem tempo. A discórdia é a nova dona dos sentimentos, e por mais que se faça por merecer, o que é bom sempre acaba cedo demais.

Não vou me desculpar, muito menos ajoelhar aos seus pés admitindo que estivesse errada. Qualquer um em meu lugar teria feito pior; qualquer um que assistisse a cena me teria dado razão. Tinha toda a minha raiva alimentada por um dia inteiro de espera e tentativas frustradas de te encontrar, somando-se à risada dos seus amigos que fizeram questão de mostrar o quanto eu estava sendo ridícula ao correr atrás de você daquela maneira. Posso até assumir que lhe procurei mesmo, mas foi porque alguém alimentou minhas esperanças. E não vou dizer que sou indiferente ao que passou; tenho mesmo boas lembranças suas, tanto que ainda me divirto quando ouço sua voz na minha memória. Coisas como essa eu não costumo jogar fora, e vá lá, eu sou adulta o suficiente para admitir que eu morro de saudades de você, sem morrer mais ainda por causa do meu orgulho. Contudo, eu duvido que você também não sinta falta dos bons momentos, e se eu sou capaz de admitir, você também o é.
Enquanto escrevo isso, eu fico pensando se um dia terei coragem de lhe enviar, afinal, você me colocou em maus lençóis com aquela despedida desagradável. O que foi que eu lhe fiz de tão grave?
Será que a gente tem de viver nos extremos de amor e ódio?

Written by: Angélica Manenti

Uma dose de humor



Deve ser realmente bacana ter um pinguim para fazer as compras na peixaria!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Fragmentos Ensinados


Estes dias de sufoco, alheia aos barulhos do mundo. Deixei de sentir, não presto atenção às roupas que vou vestir, descuido de mim. É como beirar o fracasso: será que estava certo tudo estar sempre prestes a se acabar? Viver é ver todos os dias o tempo ficando para trás; é tempo decorrido, mal gasto. Dias que exigem mais do corpo, dos meios, de enfrentar os receios. Quando você sente as coisas bem terminadas, o alívio de se livrar, e não tem significado. Nós temos tantas dúvidas, e mesmo assim muito pouco muda. A tranqüilidade até está à venda, mas tem um preço alto: tira o sono – o descanso é bom quando o corpo dói. O amor é um esforço do ser que nos impede de ter razão; essa idéia do não. Todos nos dizem ‘não’, mesmo quando não significam nada. E pode ser alguma coisa, ou muitas coisas sobre nada. Ou de alguma coisa maior, algumas que acontecem sozinhas, feitas por si só. Quem sabe a nostalgia indique dor – ou automaticamente vem seguida da dor – tanto que algumas vezes se confundem, são as duas ao mesmo tempo, existindo juntas até que uma sem a outra perca o sentido. O som de um beijo, de um soco, de um tombo. Nós só tentamos imitar, não adianta querer se resguardar: estamos expostos e a lembrança não perdoa amores mal acabados.

Written by: Angélica Manenti

sábado, 24 de abril de 2010

Dia de Almas



Estou apelando outra vez para o caderno mais secreto, porque algumas coisas tornaram a ficar frias. Os meus olhos ardem – do sono, da lágrima que não rompe, da dor que não sei mais sentir – enquanto a vejo dormir me pergunto se a culpa não é do nosso signo não combinar. Tive de sair e caminhar antes que me perdesse no mesmo lugar. Tive de voltar para casa tomando o caminho mais longo para dar tempo de me convencer e assimilar suas palavras antes de chegar. Não pode ter sido tudo tão sério. Alguns sons não são reais: passos apressados me seguindo; e eu não vejo ninguém quando olho para trás. É segunda-feira e a cidade mal irá acordar; o feriado das almas, um dia morto. As ruas estão muito mais quietas que meus sofrimentos. E é tão difícil brigar para não sentir esse arrependimento, afinal, o que foi dito, está feito. Errado mesmo seria não permitir que acontecessem as coisas, sejam elas boas ou até mesmo as que dão medo encarar.
Vamos ser sinceros, ao menos desta vez; vamos pôr a modéstia e a humildade de lado. O que há em mim tão diferente que me separa de você?
É fácil começar a me admirar, se surpreender com a quantidade de coisas que sei fazer; mas é tão distante me amar. Será que errei ao querer ir tão longe? Ao saber um pouco de tudo, ou ao ser compreensível demais, otimista demais, romântica ao extremo e fazer piada das dores mais tristes que guardo. Será que eu me isolei tentando encontrar um modo de ser perfeita para você?
Toda a calma que aprendi a ter. Muita coisa não condiz, eu sei. Para ser bem sincera, muito do que eu digo é mentira. Para que me perdoe, eu não tenho preguiça de passar por cima de mim para lhe fazer feliz.
Eu precisava justificar minha loucura, então eu culpo o pouco tempo que resta; eu me permito viver mais e amar sem censuras; eu não me aquieto quando as coisas terminam.
Não adianta ficar sentada na porta de casa esperando alguém chegar, hoje é meu dia de ficar só. Não posso nem me animar com os vultos que cruzam a calçada aqui em frente, porque nenhum deles pretende entrar. E que se dane o mundo, se nem assim sou capaz de morrer. Nem os carros sabem me atropelar, mesmo quando eu atravesso dezenas de ruas sem olhar para os lados. Até o sol voltou a nascer pra que eu pudesse voltar para casa em segurança da luz. Não posso negar que muita sorte me protege, mas se a sua grande ameaça é o suicídio, arrume outra resposta: eu também ensaio o meu final todos os dias.
Written by: Angélica Manenti em 02 de Novembro de 2009.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Strangers


Estes breves momentos de paz e silêncio chegam a ser esquisitos. E eu que vivo a reclamar minha falta de tempo, me pego parada, sem fazer nada, inutilizada neste espaço sofrido, com receio de pegar papel e caneta e tornar a me frustrar. Às vezes minhas próprias palavras me enjoam e sinto vontade de não pensar; mas é quando me vem um ímpeto de escrever frases que possivelmente ainda não experimentei. Procuro por algum resquício de sentimento recolhido a um canto de mim, que talvez sinta por um ser humano sem nome, e percebo que o único assunto sobre o qual ainda sei escrever é essa ausência da necessidade de escrever – quase uma ironia.
E como é desconcertante não precisar da arte que sempre me aliviou. Provável é que eu já tenha desgastado todos os meus temas, exprimido todo meu drama, esmiuçado todas as dores. Surpreende-me a idéia de que a essa hora da manhã ninguém tem disponibilidade para me ler; e antes bastava escrever por desabafo, mas hoje eu quero me expor e mostrar ao mundo que não sou dada à futilidade de apenas existir; exibir o quanto me esforço para ter alguma espécie de amor e passá-lo adiante.
Creio que seja fruto da minha insegurança e má fé; vejo que coloco, eu mesma, as pedras no meu caminho só para ver se alguém repara quando as retiro, passo por cima, sou maior. Faço por descobrir meus limites e superá-los, faço porque sei me recompor e porque gosto de percorrer cada detalhe dos mecanismos da dor; faço pela beleza da contradição, porque carrego a loucura como justificativa; faço porque não me arrependo de arranhar as feridas recém saradas e fazê-las sangrar novamente: regenero. Faço porque desenvolvi maneiras de sobreviver a qualquer dano. Finjo que me engano: estrago os planos, para me impor contra a natureza, perseguindo os perigos do vento, negando os abrigos, ignorando as saídas.
Espera. Eu vou me consertar. Ando querendo lhe encontrar só mesmo para matar essa saudade, mas confesso que esses sonhos não me deixam à vontade. Eu sou covarde quando se trata de admitir minhas fraquezas.

Written by: Angélica Manenti

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Amor em verde


Os dias chuvosos. Há muitas coisas que eu não sei pensar. O cigarro não satisfaz minha ansiedade; as unhas roídas deixam transparecer o nervosismo: prolongamos a espera, tornamos os dias ainda mais longos deixando estar horas acordadas conversando. Não sei em que ponto nós fomos nos entender de tal maneira, tanto que agradeço todos os dias por te encontrar.
Todos esses aparelhos ligados não conseguem me distrair; nem o extremo do cansaço é capaz de me fazer dormir. As paredes do quarto não me sufocam mais; a luz fraca não me impede de te enxergar até o fundo dos segredos; a distância não me separa de te fazer sorrir; muitas coisas em você me fizeram voltar a acreditar que ainda é possível evoluir. Os bons delírios tomam o lugar dos pesadelos; já não odeio tanto a minha imagem no espelho. Os excessos e os descasos não me influenciam mais, os tremores de medo e as dúvidas já não me dominam; a pressão das escolhas, o abandono da rotina, o vazio de não te ver dobrar a esquina: nada me comove, nem me atinge, porque os dias vão passar e eu nunca desisti de lhe reencontrar.
Ah, o absinto. Meu veneno singelo; a distração do corpo, as histórias mais belas na ponta da língua, a resposta para os desejos mais profundos e insanos da alma. Absinto: o verde perigoso, letal; a fada que oferece conforto e alento sem pedir nada em troca. A palavra sincera na palma das mãos; a verdade mais doce e alva que um punhado de açúcar puro e refinado; o despertar dos segredos antes calados. Eu sinto, absinto: teu devaneio inundando minhas veias como água de enchente invadindo ruas e avenidas; tuas estradas coloridas. Um despertar suave, um declínio reconfortante; a adrenalina de soltar as mãos do volante e correr; ignorar as curvas, sentindo o vento passar depressa pelo meu rosto, e enfim voar. Um vôo em queda-livre em direção a um abismo dentro de mim; pra cair em um vale tranqüilo, de um riacho manso e tão raso quanto os pensamentos sutis de um coração livre e sossegado. O liquido que escorre pela garganta como um rasgo quente e carinhoso, de um afago delicado como recompensa ao fim de mais um dia. A mente vazia, os membros leves, os pensamentos dispersos, a emoção estática. Como dançar de pés descalços na grama molhada; como o amor em uma tarde fria de domingo. É o abrigo mais seguro: dentro de mim, e nos meus sonhos eu a sinto, eu a(b)sinto.

Written by: Angélica Manenti

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Uma licença para continuar


Depois de ter sido acusada pelo derramamento de uma enxurrada de lágrimas, alguns suicídios e uns poucos que deixaram de acreditar no amor depois de ler "Ensaios sobre o amor" - e tendo eu provado que sei usar os números romanos (ao menos de 1 a 9) - venho por meio deste informar que darei início à fase de publicação de textos aleatórios.
Uma dúvida pertinente que me assola é: os textos que tenho guardados darão conta de sustentar este blog até que eu termine de atravessar minha crise criativa?

Um agradecimento: a quem foi maníaco o suficiente para acompanhar "Ensaios sobre o amor" até o fim;

Um conselho: admiro sua persistência, mas temo que tenha chegado ao nível de teimosia, dado que aturou "Ensaios sobre o amor" até o fim;

Um pedido de desculpas: aos familiares e amigos dos suicidas que tiraram suas vidas por culpa deste dramático blog (é uma piada, acredito que ninguém tenha se matado... ou tenha?);

Uma solicitação: gostaria que os leitores deixassem qualquer espécie de vestígio de que leram, para eu não ficar apenas imaginando seus sofridos rostos.

Até a próxima.

Ensaios sobre o amor IX


ENSAIOS SOBRE O AMOR: EM PAPEL SEM LINHAS

PARTE I
Meus delírios mais suntuosos; meus surtos mais perigosos; meus caminhos mais sinuosos; meus rabiscos completamente sem lógica. A sua retórica. Três anos depois, dezenas de caligrafias diferentes que jamais se encaixaram em mim ou me agradaram e eu continuo escrevendo. As mesmas idéias vindo como uma avalanche que minha mão e a caneta não são capazes de acompanhar; e eu não paro de escrever.
Você hoje parece bem mais madura; menos insegura e até mais eloqüente. O que você guardaria em uma caixa de recordações? O que você me daria de presente?
Eu não posso fingir que esqueço enquanto fico aqui sofrendo calada. Como alguém pode voltar a chorar depois de tantos anos sustentando meras inverdades? Solidão é resposta direita. Dói o medo de não reencontrar: os bons amigos, os amores antigos, o amor próprio. Quando de alegria, passo a ter pena de mim. Não posso nem conviver com meus próprios pesadelos, preciso confessá-los antes de dormir. Não reclamo das dores, nem do rasgo silencioso que atravessa meu peito. Eu fui egoísta, quis impor meu jogo, quis satisfazer minha necessidade de presença, e esqueci de que estava só lhe apertando as amarras que tanto a angustiam. E outras vezes eu quis ser dona do amor de outrem, sem perceber que isto não é propriedade que se guarde num cofre e tome o comando dos dias. Amor não é animal que se domestica. Selvagem: precisa de muito espaço. Amar de pés descalços... Ah, os perigos.

PARTE II
O amor não é, nem de longe, a solução para todos os problemas; amor não resume todos os sentimentos do mundo: é um desastre que se torna mais ameaçador ainda nas noites de insônia. Amar é como querer manter impecável uma velha estante de livros: não importa o quanto você a limpa, o pó torna a se acomodar sobre as páginas cansadas.
Amar jamais será de graça. Nós vivemos neste meio termo, inventado paixões, escondendo segredos, criando personagens, jurando não sentir medo.
Eu acreditei durante muito tempo que poderia existir amor perfeito, e me esforçava mesmo por fazer com que ela se sentisse no seu conto de fadas. Mas e eu? Esquecia de mim, me lograva. Era uma dependência inconsciente, e eu me drogava dela; queria a sensação naquele momento, precisava me sentir íntima, construir nosso universo particular, pertencer a ela de corpo inteiro, ser seu motivo, seu drama pessoal de todas as manhãs, ser seu refúgio, seu sonho, seu objetivo, seu antídoto. E tudo o que fiz foi desistir de mim. Não fui.
Não vou dizer que nem cheguei a sentir. Há momentos, e nós guardamos muitas coisas com carinho na memória, embora eu esperasse que aquela ilusão durasse para sempre. Deve ser neste ponto em que erramos o querer: brigamos pelo engano.

-Fim-

Written by: Angélica Manenti

Ensaios sobre o amor VIII


ENSAIOS SOBRE O AMOR: CONVERSA COM ANA-LISTA

PARTE I
Passo os dias a inventar listas. Tenho uma lista para cada uma das coisas que ainda pretendo fazer; uma lista de livros que ainda quero ler, outra de desenhos que ainda quero pôr no papel, uma com meus ex-amores que um dia dormiram no sofá da sala; uma breve lista dos amores que ainda quero ter, dos lugares que gostaria de conhecer, das músicas que ainda me falta ouvir. Aquela lista com um único nome: a lista dos amores de verdade.

PARTE II
Tenho uma lista de heróis para cada fase da minha vida, e uma lista das fases que ainda preciso atravessar. Tenho um caderno completo por uma lista de frases que já me fizeram chorar, tenho outra lista com os espaços vazios que ainda me falta completar.

PARTE III
Eu tenho um analista. Ele sugeriu que eu gastasse mais tempo comigo, que corresse menos perigo, que parasse de desafiar o mar. Eu disse a ele que queria parar de sonhar, ele insistiu para que eu anotasse os meus sonhos e procurasse alcançar. Agora eu tenho uma lista com as sugestões do analista. Os passos que ainda vou decorar; os passos que ainda vou caminhar e as poesias que decorei para lhe dizer ao ouvido durante o jantar.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

terça-feira, 20 de abril de 2010

Ensaios sobre o amor VII


ENSAIOS SOBRE O AMOR: E O TEMPO


PARTE I
O tempo não ajuda a esquecer, o tempo envelhece. Todo o tempo depois de um amor é a inércia. Observo como deixei de andar fora do meu próprio bairro, abandonei o prazer de caminhar por novas ruas, me afundei nessa vida de escritório que nos transforma em prisioneiros amarelados de angústia, que tão sutil e lentamente vai se apoderando e quando percebo já não ouso passear nem mesmo fora da minha cabeça, transbordar no papel. Esqueço de escrever, perco a chance de anotar, vejo minhas histórias escorrendo pelo ralo e vou passando sem deixar marcas que antigamente me comprometi a gravar em você diariamente. Esqueço de comentar sobre os assuntos que me interessam, perco a chance de te elogiar. Falta tempo para lavar os meus sapatos, para amar meus animais, para tomar conta do meu corpo, para tomar uma cerveja no bar com os amigos; e faltam os próprios amigos, porque na falta de tempo deixamos de nos comunicar.

PARTE II
Deixei de apreciar as coisas belas, de ouvir boa música antes de me deitar, de sonhar em criar novas canções; deixei de ter sonhos ao adormecer, e deixei de lado minha coragem de despertar e começar um novo dia. Troquei a insônia pelo cansaço, entreguei minha sede de aprender em troca do esgotamento mental, me sobrecarreguei, me estraguei. Fiz calos nos pés e hoje ando mancando. Não tenho tempo para cortar meu cabelo, nem fazer minhas unhas, não sobra dinheiro para pagar o cabeleireiro.
Não sobra espaço, meu quarto é pequeno; eu trago trabalho para casa e não cabe. Minhas gavetas estão cheias, meus armários estão lotados; não cabemos mais nesta casa e não saímos de dentro de casa. Pijama e pantufas, café e cigarros para passar o tempo acordada; e tornar a acordar cedo, porque é segunda-feira outra vez. Na sexta tem pagamento, será que dessa vez sobra algum dinheiro?

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

Ensaios sobre o amor VI


ENSAIOS SOBRE O AMOR: MAIS P’ROFUNDO (DO POÇO)

PARTE I
Vou lhe contar, o pouco que tenho feito não me anima, justamente por ser tão pouco que nem mesmo eu consigo perceber. E eu a admiro tanto quando vejo essa sua decadência; eu sinto inveja de quem se deixa levar pelo buraco, pela autodestruição, desejo para mim essa coragem e força de sustentar o próprio drama até o fim, de tudo. Por que eu fui buscar ajuda? Eu não quero solucionar os meus problemas porque ainda não aprendi a sobreviver sem um pretexto para ser a vítima.
Não espero que alimentem por mim alguma simpatia, que me façam promessas de um futuro bom; que pousem as mãos sobre meus ombros e me confortem. Eu quero uma escada para o fundo, quero um corte mais profundo, me leve cada vez mais para o fundo com você, divida seu sofrimento comigo, me ponha de castigo.

PARTE II
Por que eu não deixo esse monte de papéis e lixo acumular sobre a mesa? Quem sabe eu possa arrumar tudo uma única vez ao fim do dia. Será que isso iria lhe decepcionar? Quantos de vocês consideram este lugar como seu próprio lar? E se eu começar a bagunçar os documentos, quebrar seus enfeites, riscar as paredes, rasgar suas fotografias, desmontar as estantes, derrubar as cortinas; e a luz vai se espalhar pela sala, os pedaços do que eu destruí vão ficar espalhados pelo chão, ganhando cores e vida, cortando e sangrando seus pés descalços, abrindo feridas, deixando marcas, ouvindo batidas. Ninguém toca a campainha, essa noite eu vou dormir sozinha.

PARTE III
Sentidos. Pele, boca e ouvidos. Sentidos. Amores que foram sentidos. Desisto. Tenho pouco papel, poucas idéias e poucas verdades, mas continuo enchendo páginas de bobagens. Preciso diminuir minha caligrafia, ou quem sabe a monotonia.
Preciso diminuir as vontades e também a coragem. A sede, o sono e essa dor de abandono. Preciso do cheiro, do beijo e da voz. Preciso de um carro veloz, para atirar-me com força e depressa contra um poste; preciso de uma fortuna, para doar aos pobres antes de morrer; preciso de um costume, para deixar como herança e lembrança se você resolver aparecer; preciso de um cofre, para guardar uma carta que jamais deixaria você ler; preciso do toque, do gosto e do ser. Eu sei quem é você.

PARTE IV
Aqui embaixo é escuro, úmido e solitário. Aqui embaixo é quase um aquário, é um riacho de águas tranqüilas, tão raso. Aqui embaixo nós somos por acaso, sabemos que há milhares de pessoas por aqui, mas jamais nos encontramos. Aqui nós nos livramos de tudo e de todos. Não há desculpas e nem falsas demonstrações de afeto, esse lugar sempre foi meu projeto.
Mas livrar-se definitivamente de todos é o mesmo que distanciar-se de si. É o caminho mais curto para o não existir. Aqui embaixo ninguém exige satisfações; ninguém implora por seu amor; ninguém guarda rancor; ninguém inventa boatos e ninguém distorce os fatos. Sempre haverá dor, lembranças, suspiros, esperança.

PARTE V
Se eu dormir aqui embaixo, você vai aparecer em um sonho que eu não consigo tornar real. Eu sinto todas suas lágrimas, como se cada uma fosse um prego que atravessa minha pele. Eu sinto cada vez que você recorda algo de mim, que você pensa no meu nome. Eu ouço você me chamar. Eu sei que todas as coisas que doem em mim, também ferem você. Sei das suas angústias mais profundas e das suas fraquezas. Sei o quanto é difícil ser você, porque só eu te conheci de verdade, no mais íntimo do seu desespero.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Ensaios sobre o amor V


ENSAIOS SOBRE O AMOR: VISTO DEPOIS

PARTE I
Gostava da forma como você prendia o cabelo, se ajeitando em frente ao espelho e dizendo besteiras só para me fazer sorrir; em instantes estava fora do meu alcance, mas tinha hora certa para retornar. Então eu gostava de ver você me abraçando e dizendo que queria estar comigo para sempre, até o dia em que você levou as malas ao sair.

PARTE II
A vida se distrai, todas as desculpas são fracas demais. Hoje admiti que sinto sua falta, e o pior de tudo: gritei que ainda a amo em voz alta.
Tenho saudades das nossas encrencas, das nossas despesas.
Se você some, eu já entendo, e não exijo explicações. Ainda acho estranho você vir me perguntar, prefiro nem prestar mais atenção. Não quero ouvir as histórias sobre seu primeiro final de semana sem mim.

PARTE III
Como me tornei parecida com você. Hoje sei fazer alguém sofrer, e até lhe entendo quando sinto vontade de desaparecer; sinto-me tão igual a você que às vezes me confundo ao imaginar se minha saudade é de lhe ter por perto, ou de lhe ter como exemplo. É como olhar no espelho e só ver a sua imagem. Com a sua distância eu deixo de aprender e você esquece de me fazer a mulher mais forte desse mundo, que caminha com as próprias pernas e perdeu sozinha o medo do escuro.

PARTE IV
Mudei meu timbre e até a cor do meu cabelo para deixar bem claro o quanto sou fria e independente agora; para gritar em alto e bom som que estou mais confiante agora. Pintei as unhas de vermelho para eu andar na rua com ar de vadia e apertar as coxas de qualquer uma que cruzar meu caminho, em plena luz do dia. Sua mãe eu chamo de tia, vejo a velha se irritar e ordenar que eu nunca mais volte à sua rua; mas eu tenho coragem e bato à sua porta todas as tardes, só para ser expulsa outra vez a vassouradas. Algumas vezes esqueço qual a cor da sua casa e bato à porta errada. Suas vizinhas me conhecem, já atendem à porta semi-nuas só para mim.
Tente imaginar essa comédia no cinema.

PARTE V
Você sente orgulho a me ver tropeçando, tentando andar sozinha? Reconsidere nossa história, recupere sua memória e diga se o nosso amor não é mais o mesmo visto depois.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

Ensaios sobre o amor IV


ENSAIOS SOBRE O AMOR: EM PARTES

PARTE I
Acordei morando ainda na mesma rua, com os mesmos números de telefone na velha agenda e meu escasso vocabulário; seu rosto rabiscado na parede do quarto, os móveis empoeirados.
A parte que eu mais gostava em você era seu sorriso; a parte que eu custava a suportar era sua bagunça; a parte que eu mais odiava era seu orgulho; a parte que jamais esquecerei é seu corpo. Seu amor sempre foi a completa falta de juízo.

PARTE II
O mais constrangedor era quando você preferia não tomar parte, deixando os problemas por minha conta, as angústias para as minhas noites em claro, as despesas para o meu salário.
Uma parte de mim sentia pena dessa sua decadência; outra parte nem se importava, porque eu acabava mesmo conseguindo lhe salvar.
Uma parte de você me ignorava, a outra sentia ciúmes e me prendia em casa, porque dizia que sua pequena era tão rara para ficar exposta aos perigos do mundo lá fora.
Uma parte sua demora a entender por que tantas coisas me machucam, outra parte me magoava com o único propósito de depois vir me proteger.
O amor tem essas crises de contradição; tem partes opostas que se negam veementemente a acreditar.
Seu amor às vezes me completava, em outras me deixava em partes e eu escrevi nossa história em tantas partes que não consigo juntar.

PARTE III
A minha parte era o resto.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

domingo, 18 de abril de 2010

Ensaios sobre o amor III

ENSAIOS SOBRE O AMOR: VISTO DE DENTRO
(DO TEU ABRAÇO)

PARTE I
Eu confesso. Apesar de ser contra, e a despeito de toda a mágoa que alimento pelo amor, eu a amo acima de tudo. Amo com a cara, a coragem e o orgulho feridos. Amo com os pés fincados no chão e com a cabeça nas nuvens. Tão grande e tão responsável por nós que parece absurdo. Eu sou teu escudo e teu maior inimigo. Sou o lado escuro e me desfaço quando tenho de me despedir a cada manhã. Sou eu quem te cuido durante o sono e acompanho teus passos durante o dia. Sou eu quem exige satisfações sobre onde você esteve ou com quem dormiu esta noite, e sou eu quem zela pela tua liberdade de tomar o caminho que bem entender.
Eu admiro sua voz quando acorda e me diz um “bom dia” cheio de preguiça, com as marcas do lençol ainda impressas na face e os olhos apertados de sono.
Gosto de passar as mãos sobre o travesseiro onde você dormia há pouco, respirar essa sua ausência e sentir o medo do abandono momentâneo. Então eu gosto de ver você voltando, dizendo que meu medo não tem sentido e se deitando de novo.

PARTE II
Suas caretas no espelho. Por que nós nunca tiramos fotografias juntas? Esconder esse amor sempre foi nossa grande luta, e estar com você se parece muito com uma disputa. Os olhares na rua são seus e eu lhe abraçando para mostrar que você é minha, e não de quem quiser.
O amor é o conforto; é ter um motivo para atravessar o dia sem reclamar. Amor é um abrigo, é o colo macio. Amor tira o apetite e o sono, é a doença que cura todas as outras desgraças.
O amor é o espetáculo do sol nascendo em qualquer horizonte, desde que nós estejamos observando. Amor é afeto. O amor é o despertador de todas as manhãs, e você me fazendo chegar atrasada. Nosso amor é uma piada e toda a platéia com suas gargalhadas.

PARTE III
Amor é memória, para não esquecer de lhe abraçar em tantas datas que comemoramos; abraço de amor é longo, apertado, é o meu coração descansado, bem perto do seu. O abraço é o inverso da saudade; abraço dá vontade... Depende de onde ficam as mãos nessa hora.
Gosto tanto do seu nome, me abraça e diz a verdade: nós temos mesmo tanta coragem?
Abraços são despedidas e voltas de viagem; seu abraço é a imagem que eu quero conservar. Eu só cabia no seu abraço e não sabia lhe dizer.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

sábado, 17 de abril de 2010

Ensaios sobre o amor II

ENSAIOS SOBRE O AMOR: UMA VISÃO PESSIMISTA

PARTE V
Hoje eu calculo que o amor seja uma passagem ridícula, desnecessária às nossas vidas. Logo eu que acreditava e esperava tanto do amor; mas o amor não me convence mais, não me ilude: não me satisfaz. E quem irá dizer que é pecado preferir o prazer ao amor? Ou mais adorar o momento do que gostar de sentar para planejar o futuro e afogar-se nas malditas recordações.
Buscar a cada dia juntar um maior número de histórias novas, ao invés de propor-se a batalhar por uma única história construída passo a passo com um esforço descomunal.
Romances caem bem nas páginas dos livros antigos, descansando na prateleira do quarto, juntando poeira e traças. Beijos de amor não podem ter um sabor tão distinto dos beijos baratos que eu arranjo todas as noites, em lábios que eu esqueço de reparar no rosto, em rostos que eu nunca recordo o nome.

PARTE VI
O amor é incrédulo. Acompanhado de brigas intoleráveis, crises de mau-humor inaceitáveis, insultos e ameaças só de passagem. Eu grito que estou indo embora, bato a porta na sua cara e fico plantada no corredor esperando o tempo passar para que eu possa voltar. Somos mesmo teimosas e essa rotina me parece o fim do precipício; a monotonia é o meu suicídio.
Grunhidos de prazer; os membros exaustos; a fome da sua carne; e eu não sei mais a quem querer bem; não há mais a quem recorrer.
Promessas de um tempo bom; mas hoje chove sem parar e desgraça as ruas de terra. O amor tem certas crateras que eu prefiro não ter de desvendar. O amor é o único rio que não sonha encontrar o mar; o amor só deságua, vira enxurrada, mofa as paredes da sala.
Amar é uma longa caçada; são os ruídos no meio da madrugada, a laçada incerta, os passos discretos, as frases secretas. Amar é desde as intenções até os empréstimos; das ligações aos acréscimos e eu me pego cobrando de ti um amor que eu não saberia retribuir.

PARTE VII
O amor é meu trocado, meu desperdício; é tudo aquilo que eu não poderia gastar, mas consumo. Amor a gente carrega até ao túmulo.
O amor é o hospício de quem se julga normal; é o ponto final, e só algumas vezes a vírgula.
O amor enfraquece, deteriora, tem mal-gosto e traz pesadelos; traz medos, angústias e perdas. Amor desbota, estraçalha, envelhece e inventa novos poetas solitários e culpados. Dias calados por nojo das próprias vozes. Roendo unhas e assistindo filmes legendados, com olhares furtivos e disfarçados. Olhe só para nós assim tão próximas, até parece que nos amamos. Não quero mais te olhar agora; cansei da sua imagem, vá tirar essa maquiagem; a quem você espera enganar?
Durma um pouco, suas olheiras estão péssimas. Eu nunca lhe disse que amar é dividir a mesma insônia.
Livre-se de mim por alguns instantes ou por alguns anos, descanse. Eu volto para lhe buscar pouco antes de a minha vida acabar, e eu acho sinceramente que dura pouco tempo.
Talvez eu me perca no caminho, desaprendi a andar sozinha; então não me espere assim tão ansiosa, não tente bancar a manhosa, permita que eu vá me perder.

PARTE VIII
Amor é o monólogo de cada uma das partes; é o egoísmo exigindo atenção das próprias paredes. O amor não sabe ouvir, é impaciente e implicante, é repugnante.
Amar é um insulto.
Amar não passa de um pedido de desculpas em qualquer circunstância. Com licença, você poderia me amar por um momento?
O amor nasce mesmo da falta de escrúpulos, amor nunca é de todo puro. O amor é só um complemento do desejo carnal, é o disfarce das sacanagens e perversões. O amor é só um meio de tirar sua roupa mais depressa e alcançar suas tentações.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ensaios sobre o amor I

ENSAIOS SOBRE O AMOR: UMA VISÃO PESSIMISTA

PARTE I
Aquele amor que chega a doer, que causa certos calafrios e te provoca até mesmo nos sonhos. Aquele amor pelo qual você começa a se julgar capaz de coisas antes impossíveis de realizar. Aquele amor que eu tive por ela, que foi platônico, eu sei, mas que hoje eu sinto muito por saber que jamais haverá qualquer sentimento que alcance tais dimensões.
Aquela saudade que faz você sangrar por todos os meios existentes e mesmo assim você acredita que é certo; enfraquece e desmaia, sem forças, sem história para contar e sem uma perspectiva de futuro.
Aquele quarto escuro. Os olhos se acostumam e tudo vira coragem. O amor é uma desvantagem. O amor é o único rosto que jamais se esquece. Amor insiste até que você desista e se entregue. Amar é muito perigoso; são pulsos cortados, cadernos rasgados, retratos despedaçados. Amor é ódio de si, é o mal maior que nos invade e toma conta, e suga suas verdades.
O amor é uma ameaça.

PARTE II
É vago. Ainda espero descobrir o que houve de errado, quanto tempo passou, quantas noites cometendo pecados para tentar escapar do pior, se esconder. É difícil viver fora de casa; você pensa muito em que horas vai voltar, se suas chaves ainda servem na fechadura; mistura qualquer bebida que lhe ofereçam até vomitar.
O amor é como um dia nublado: pode formar uma tempestade em instantes e arrasar tudo por onde passa, ou pode simplesmente aborrecer e ser chato o tempo todo. O amor tem seus esgotos; tem todos os defeitos da outra pessoa, dos quais você procura se livrar, mas que, no fim só percebe que ninguém muda por amor.
Nós nos sacrificamos por amor; procuramos provar que melhoramos nossas falhas para exibir o quanto nos esforçamos em fazer com que dure para sempre.
O amor é frio. Amor é inverno sem folhas nas árvores; é o cinza da paixão, é a rotina dos abraços e beijos acostumados. Amor é o descaso; são datas, buquês de flores e pares de sapato. Somos tão fracos. Tornamos-nos irracionais quando amamos; vamos para o quarto.

PARTE III
Sofrer de amor é uma tristeza estragada por sorrisos forçados. São todas as minhas bebedeiras dos finais de semana, todas as pessoas e a música alta que compõem minha festa, dançando.
Eu danço porque o balanço da música me empolga. Meu corpo pede, meus pés se movem involuntários e o álcool subindo depressa à minha cabeça. O ritmo aumentando, a fumaça de cigarros sufocando e eu continuo ascendendo um após o outro; nunca conservo ambas as mãos livres, há sempre um copo de bebida, um cigarro ou as nádegas de alguma garota entre elas; eu já sou velha neste jogo, sei muito bem o que faço.

PARTE IV
As mãos se movem, a pele arde, os olhos pesam, os dias morrem.
Desesperos enfileirados na sala de estar, aguardando sua hora de morder meus músculos, estourar minhas veias frágeis e fazer jorrar o sangue escuro, poluído e cansado. Os sons retidos, erros repetidos, roupas molhadas, os pés doloridos, corpos estendidos na calçada.
Fomos todos escolhidos para ofuscar a desordem; somos máquinas de encaixe que encolhem e não cabem mais. O tempo gasta, viver é corrosivo; o tempo escorre, nossa vida é tão lisa e esguia. Nossos lábios são mornos, nossa pele arrepia. Olhar o céu é o abandono, querer o céu é uma utopia. Idéias vazias.
Eu não esperava que algum dia acabasse entendendo dessas sandices. São preocupações para a filosofia dos mal-amados do século passado. Hoje nossas leis são diferentes, nossas amigas são mais indecentes.

-Continua-

Written by: Angélica Manenti

Uma explicação insatisfatória

Bom dia, camaradas d´agua!

Antes de mais nada: prometo tentar ser breve nesta explicação e deixá-la mesmo insatisfatória assim.
Há muito venho escrevendo textos breves - uma espécie de desabafo - que até então ficaram na gaveta, juntando poeira e traças. Aliás, desde quando comecei a escrever, tive uma única leitora assídua (sabe quem é, Mah?) e ela costuma dizer que as minhas palavras são "alimento" pra ela. Tem dias que ela desaparece, depois volta cheia de "fome". Apesar de ela ter certo ciúmes da "comida" dela, acho que ela aguenta se eu publicar algumas coisas aqui, pra mais gente poder ler, né Mah?

Uma justificativa: Pingüin é meu apelido, portanto aquietem-se, nenhum animal foi ferido durante as gravações.

Uma observação: Ensaios sobre o amor foi um projeto um pouco mais extenso, então a partir de hoje vou publicá-lo em partes. Não desistam de ler na primeira parte. Pode ser - e isso fica por sua conta e risco - que melhore mais adiante.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Algumas cicatrizes nós nos orgulhamos de ter. Parei por acaso num mundo onde o legal é se destruir. Vamos ser francos mais uma vez: a beleza está no caos. Minha vida não é fácil de ser contada. Eu já erro em muitas das coisas que sei fazer, então como podem esperar que eu me saia bem aprendendo a resistir às tentações?
Eu já senti a alma lavada e já conheci a agonia de perder a razão; tive coragem e também me arrependo daquilo que neguei por medo. Talvez eu goste de lhe ter como um novo brinquedo de sofrer. E se eu não fosse tão íntima das conseqüências... Mas o amor é uma velha doença; é o espinho da liberdade tão almejada. O que vou fazer com todas essas flores que lhe comprei? A quem servirá todas essas frases que lhe dediquei?
Ora, se fomos tão esquecidas pela felicidade, qual é o problema em ignorar a memória? Terrível ilusão essa de achar que se pode sobreviver com lembranças. E essa gana por uma nova busca? Seria um desperdício não aproveitar esse calor da juventude e esse ímpeto de mudar o mundo. Só nós ainda temos chance de acreditar que existem lugares reconfortantes em meio a toda essa humanidade. Ainda é nosso dever passar a esperança e o brilho adiante, antes que acabem as próprias estrelas do céu; antes que se apaguem as luzes mais intensas; antes que os homens matem uns aos outros por meras desavenças.
Já sufoquei, mas também já enchi meus pulmões com o ar gelado de uma noite de inverno e um cheiro familiar qualquer que me traga fragmentos de memórias indistintas. Já descobri muitas rimas depois que desisti de fazer poesias.
Já fui muito mais culpada do que posso suportar, mas já recebi alguns aplausos indiferentes de incentivo. Já fiz amizades impossíveis de conquistar e fui odiada por alguns que se parecem demais comigo, ao ponto de não conseguirem me enxergar. Quando nos destacamos, são as ameaças; quando nos recolhemos, é o vazio; quando sonhamos, é o desejo de nunca tornar a acordar.
Já forcei minhas idéias até o pensamento travar, já tentei me desligar e até cortei vínculos que jamais irão parar de sangrar. Já me diverti com filmes de terror e temi romances puros demais. Já escapei por pouco, já fui pega, já quis voar, me esconder ou até lhe mostrar algumas coisas que costumo escrever sobre você. Quem sabe se a solução não é mesmo a gente se arriscar?
Já amaldiçoei o sol quente demais ardendo na pele depois de meses implorando para a chuva cessar. Já sonhei em me casar, um pouco antes do porre passar. Já senti pena de alguns inimigos meus. Cuidei de me preocupar com a natureza, mas ignorei minha saúde e as boas noites de sono. E hoje, ao fim do dia, o máximo que eu sinto é abandono.

Written by: Angélica Manenti, em 20 de Novembro de 2009.