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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Objeto Indireto


Conformismo às avessas: desisti de mudar o mundo. Decepciona muito perceber que as coisas não poderiam ser de outro jeito mesmo. A pobreza, a tristeza, os amores mal vividos, as guerras, as diferenças e todo o desequilíbrio têm mesmo de ser assim, é essa a harmonia do sistema. Nossos olhos e ouvidos necessitam ser feridos diariamente com certa dose de caos, de medo ou de luxúria; nossas cidades precisam ser sujadas, porque o dever de alguém é varrê-las. Nossas almas precisam ser feridas, porque nós só vivemos se acreditarmos que o dever de alguém é curá-las. São as incertezas do dia que comandam nossa alegria; é o desespero que nos dá forças; são as despesas do mês que sugam nossas economias; é de barriga vazia que o brasileiro sobrevive.
De atrasos, cópias, mazelas, culpas, insatisfação, medo: nosso mau-humor. O tremor que nos aflige quando andamos sozinhos na rua, já tarde da noite; medo do assalto, ainda indignada porque o mundo está coberto de asfalto, as dores do parto, jovens morrendo de infarto. Não temos tempo pra nada, precisamos de tempo pra recomeçar, queremos que o tempo passe depressa, porque é insuportável esperar.
Quando vi as ruas passando, na contramão, e eu ali de costas, achando incrível o movimento inverso da vida deixei de me sentir tão frágil. Meus olhos enxergam longe demais, e além. Ainda escrevo frases duvidosas, mesmo depois de tanta prática. Ainda sinto aquelas coisas que me proibi quando ela permitiu que eu fosse embora. Embora eu sinta que era melhor eu ir primeiro, do que esperar pelo abandono. Tudo bem, já faz um bom tempo e eu deveria ter aprendido que não dependo dela para crescer: agora sim estou livre para ser o que bem quero.
Diga-se de passagem, que de sujeito de qualquer circunstância eu passei a ser objeto. E nem é direto.

Written by: Angélica Manenti

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