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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Viagem ao Centro do Tempo


É difícil ignorar o rancor que ficou guardado junto com os flagelos. Além do que, o dia hoje era propício para o ódio: o céu nublado, um vento seco de enregelar os ossos e o cheiro de terra, paredes e roupas molhadas. A chuva nos mantém prisioneiros em cubículos apertados, qualquer tipo de comunicação se torna insustentável, as frases viram faíscas no ar. E o livro com todas essas histórias vai se escrevendo a seu tempo, escolhendo somente as páginas que lhe agradam e traçando os destinos que bem entender.
Não vou me ocupar dessas obrigações, nem vou me levantar no meio da noite para aliviar a pressão dos capítulos que teimam em acontecer. O melhor é deixar fluir, permitir que as idéias derretam até se esvaírem por completo. Não quero mais me preocupar com as frases que me perturbam e furtam o sono necessário. Não vou mais me entregar aos pesadelos que assombram todo amor não terminado.
Gasto as canetas, os espaços da memória, algumas frases de impacto e sequer sei como descrever um cenário. Eu devia ter reservado um acervo de imagens prontas, mas sempre tive preguiça de registrá-las. Eu devia me mostrar mais apta dentro dos meus próprios assuntos e argumentos, mas acabo deixando que eles me dominem. Não rasgo as folhas que considero inadequadas e sempre termino me rendendo a elas, expondo minha consciência e apostando na sua experiência.
Recuso todos os meus defeitos, queria que outros olhos me enxergassem ao menos uma vez e que não me avaliassem de antemão. Queria menos exigências e um pouco mais de palavras despojadas. Queria mais motivos, mais revoltas, mais vestígios para começar a procurar. Ainda não foi possível recuperar os traumas da abstinência de presença. Às vezes ainda me interrogo enquanto miro qualquer alvo indistinto através da janela na esperança de flagrar os movimentos do mundo iniciando sua inversão, mandando o tempo de volta a algum ponto do passado.

Written by: Angélica Manenti

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