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quarta-feira, 5 de maio de 2010

Enterro dos Erros


Os desenhos que desisti de colorir; a vida que esqueci de dar sentido. Assustam-me os momentos de paz; agride-me o desejo de ainda pertencer inteiramente a ela. Tenho evitado as escadas, as margens de lagoas e as calçadas quadriculadas que refletem nossas melhores lembranças. Não ando mais de mãos dadas com ninguém, não permito que acordem na minha cama no dia seguinte, que revirem meu armário nem que escrevam recados no meu diário. Todos esses lugares que sempre pertenceram a ela. Não suporto que acendam o cigarro – especialmente os da marca preferida dela – perto de mim, que usem o mesmo perfume ou que tenham os olhos da cor dos dela. Não envio mais flores – em hipótese alguma gasto as nossas rosas brancas – e não escrevo mais sobre amor. Jamais da forma como a descrevia.
Prefiro reclamar do cotidiano, acho mais sensato dormir para evitar os pensamentos noturnos e a saudade das nossas madrugadas conversando. Não aceito que usem minhas camisas nem que prendam o cabelo com meus lápis de cor à maneira dela. Deixei de gostar das palavras: mandei que a vida seguisse por si só, alheia ao meu esforço e que me levasse tal qual a correnteza de um riacho arrastando os barquinhos de papel. Um dia deságuo no mar e talvez encontre nele uma imensidão digna de ser comparada a ela, ou que seja apenas sal. Talvez eu desista sempre que sentir o desconforto da ausência e por algum motivo eu correria para bem longe, sem nem ao menos desejar chegar. Vou me isolar para poder evoluir; vou me esconder para que me esqueçam; vou me perder para não receber mais notícias. Cansei do seu nome, de aguardar um sinal e procurar por pistas em meio ao que foi dito. Ela não era de plantar vestígios, sabia bem como apagar o próprio rastro e deixar um lugar vazio.
Enquanto não me livro da imagem dela continuo a lhes entediar com estes absurdos carregados de sentimentalismo barato. Sei detectar quando me torno inconveniente e repetitiva, mas isso é extremamente necessário agora, para que não se estenda além desta confissão.
Que se enterrem os amores de ontem, e não pretendo sinalizar o local para evitar que um impulso me leve a tentar resgatá-los. Preciso treinar esses gestos e ensaiar meu discurso de despedida para que mais tarde – quando tudo conspirar contra mim outra vez – eu não caia na mesma armadilha de perdoá-la.

Written by: Angélica Manenti

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