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terça-feira, 4 de maio de 2010

Irônicas Controvérsias


Eu tinha esses desejos inconsoláveis: queria que todos os moradores da minha rua – ou quem sabe de todo o bairro – abrissem as portas e janelas de suas casas à noite, que me fizessem companhia nas horas sombrias.
Dizem que não é mais seguro passar a madrugada sozinha, na varanda, fumando alguns cigarros. Aliás, dizem que fumar causa câncer, que bebidas alcoólicas são prejudiciais, que sexo é perigoso, que se apaixonar é sintoma de carência. Contudo dizem que seres humanos são dotados de liberdade – adeptos natos do livre arbítrio – mas que extrapolar os limites não é saudável. Nasce então à confusão, o desejo de se rebelar e protestar todas as regras, desde a primeira.
Dizem que é preciso aproveitar melhor o tempo, aprender a tocar algum instrumento, praticar exercícios, treinar o raciocínio, ganhar uma quantidade razoável de dinheiro – fruto do esforço – ler bons livros, ir à praia, apreciar a arte, plantar algumas árvores, ouvir músicas de variados estilos, fazer caridade, preservar a natureza, sorrir para as pessoas na rua, tomar conta dos animais, fazer seis refeições diárias, cuidar das unhas e do cabelo, tomar todas as vacinas regularmente, sempre escovar os dentes depois de comer, trabalhar com extrema dedicação, estudar ininterruptamente até alcançar uma formação invejável, carregar muita informação, dormir no mínimo oito horas por noite e acordar de bom humor.
Mas quem, diabos, acreditou que há tempo para tanto? Quem está disposto a gastar a vida com obrigações, privações e recomendações?
Não somos máquinas que aceitam ser continuamente reprogramadas: não somos nada. A diversão não é um suvenir, as amizades não são o segundo plano, o amor não é supérfluo que se pode evitar para economizar. Não podemos nos sentir preenchidos só com os desastres que assistimos na televisão, nos remediando com a promessa de dias melhores, de soluções para o futuro. Não se pode agarrar a expectativa de que o clima será sempre agradável ou que parem de nos colocar em teste. Não podemos viver de esperança, muito menos voltar a ser criança: não podemos cometer o erro de tropeçar e sequer rir de quem cai. Não devemos lamentar as perdas nem acreditar que aquilo que nos restou é o suficiente.
É preciso ser discreta e também se destacar; ser independente, mas sem nunca negar ajuda a quem dela precisar. É fundamental ser diferente, mas sem fugir ao padrão nem exagerar.
O que eu sinto? Vontade de gritar.

Written by: Angélica Manenti

3 comentários:

  1. Vontade de gritar? Eu já estou gritando, ler seu texto me deu uma agonia, pois é praticamente assim que passamos nossos dias.
    Obs: "muitas vírgulas" rsrs

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  2. haha também tenho esse problemas com as "vírgulas";
    minhas justificativas de projeto são sempre pausadas.. =/
    mas adoreeei o texto.

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  3. Galere, o texto foi escrito ontem, depois de uma conversa sobre vírgulas com a Kelli. Foi praticamente uma homenagem à ela, por conta da sua inimizade com as vírgulas que ela disse ser a identidade dela, assim como o escritor francês né.

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