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terça-feira, 25 de maio de 2010

Lou[cura


Eu exagero comprando canetas em pacotes com cem, livros que não vou ter tempo para ler, sapatos grandes demais para os meus pés.
Mas como não há delírio que não possa ser relatado, registro aqui as imagens que presenciei em um dia qualquer no sanatório:
“Aqui dentro, uma lagartixa sem rabo vira uma salamandra fluorescente; um risco de carvão na parede se torna um corte sangrento que inunda os corredores com sua infecção e não perdoa funcionários nem loucos: transmite a insanidade completa. Uma barata que atravessa a sala de recreação deserta no meio da madrugada vira um sobrevivente da guerra, com o peito carregado de medalhas de honra. Na hora da refeição é como se uma oração monótona, repetida centenas de vezes em câmera lenta invadisse todas as salas. As buzinas dos carros desesperados de pressa são as trombetas dos anjos que vêm lá do céu. O suicídio anoitece. Evite criar amizades neste lugar, é preferível estar lá fora. Não temos mais vasos de plantas para arremessar nas nossas angustias, todas as noites um homem sem nome tranca todas as portas e some; o espaço é muito apertado para correr. As aranhas tecem fios de cobre eletrificados nas grades das janelas. Não sente no chão, está sujo de humilhação; os cobertores cheiram a mofo e desânimo, mas nossos pés molhados estão congelando de frio, precisamos suportar o odor. Ácaros na neblina tornam a respiração pesada e densa, os pulmões reclamam; os sonhos se passam em preto e branco e não podem ser compartilhados. Saudades da luz do dia, porque a loucura é ainda mais pegajosa no escuro, afetada pelo medo. Um inseto asqueroso ditava frases sem sentido sob a lâmpada queimada enquanto eu as anotava. Um cachorro sem dentes arranha a porta do meu quarto, atraído pelo cheiro de lembranças mortas; talvez ele conheça o caminho para me tirar daqui. Vou exigir que devolvam meus problemas e me deixem sair porque eu prefiro me sentir viva, mesmo que longe da cura.”

Written by: Angélica Manenti

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