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quinta-feira, 13 de maio de 2010

Mar de Gelo


Hoje é dia de desfazer. As águas levando embora lutas, sonhos, planos e muralhas. Os martelos derrubando paredes inteiras: abrindo fendas, desvendando segredos que se acumularam durante anos junto com o pó, trazidos pelo vento. Se mais gente tivesse a oportunidade de compartilhar desse barulho... O som do caos acompanhado do ruído suave de uma chuva que se sabe exagerada e não tem pressa para terminar de cair. Se mais gente demonstrasse consideração e não lavasse suas mãos quanto aos problemas ao seu redor, acabariam os desafetos.
O primeiro passo é analisar o que deve permanecer e o que poderá ser aproveitado depois. Naturalmente, o mais sensato seria destruir tudo e recomeçar do nada, mas a memória faz suas próprias leis e não aceita conselhos vindos de fora. As coisas novas dificilmente encaixam nas antigas, têm padrões diferentes, portanto exigem ajustes que agridem suas formas originais. Certamente nada mais funcionará conforme o desejado, assim como não há maneiras de encobrir o passado.
Há dias que beiram o desespero: parecem os últimos, insistem para que a gente desista. A solidão sufoca feito nó apertado, ameaça nos afundar num mar congelado. Noutros a liberdade me alimenta e anima: não estar presa a alguém me permite navegar tranquilamente, alheia aos obstáculos como se estes fossem incapazes de me atingir.
Na falta de luz eu me oriento no escuro. Não tenho medos que me impeçam de continuar quando todos os faróis se extinguem. Não há nada que me prenda ou me proíba de viajar. Eu sou daqui, mas gosto de estar em todo lugar. Eu não sou propriedade: nasci com a habilidade de escapar por entre os dedos. Não me esforço para entender aquilo que não cabe a mim. Não costumo perder meu tempo ouvindo desculpas e justificativas que só fazem me cansar.
O corpo começa tentando rejeitar a aproximação, até perceber que não dará conta de expulsar. Por fim se vê obrigado a ceder, então abandona sua persistência: adquire a doença e abraça seus castigos aprendendo a conviver com eles antes que seja engolido. Agarrado à esperança de que tudo irá se retirar por conta própria algum dia.

Written by: Angélica Manenti

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