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quinta-feira, 20 de maio de 2010

A Troca de Pólo


Não posso ser um único pingüim: sou de gêmeos, sou várias de mim. Somos um bando de pingüins foragidos. Uma espécie distinta a cada geleira, buscando a mais branca das neves: a verdade suprema. Viajamos expostos às tempestades dos Pólos, e ouvimos boatos sobre uma Aurora Boreal repleta de cores do outro lado do planeta. Cansamos das colinas alvas da Antártida – cobertas de gelo – e passamos a buscar o brilho colorido no outro extremo do mundo. Imaginávamos que fosse um tipo de arco-íris noturno, avesso aos raios solares, adepto do escuro. Partimos em caravana, buscando um caminho seguro, perdendo alguns integrantes do grupo durante o trajeto. Este mesmo pingüim que vos fala agora já se perdeu diversas vezes.
Já aportei num cais perigoso acreditando que fossem me resgatar. Seguimos rumo ao Ártico, onde supostamente encontraríamos a Aurora Boreal, guardada por alguns inimigos e sem a mínima promessa de sobreviver. Os contratempos da jornada mexeram com os brios de muitos de nós e inúmeras vezes ponderamos desistir daquela insanidade, mas o que um pingüim poderia sonhar encontrar se não as cores do Ártico?
Colhemos informações com estranhos no percurso, apostamos toda nossa sorte na palavra de predadores dos mares. Deixamos para trás um lar seguro na Antártida para perseguir uma incerteza, e assim nos deparamos com a necessidade de confessar nossos receios. O Diário do Ártico foi escrito pelas mãos (ou nadadeiras, se preferirem) de muitos pingüins lunáticos, encurralados pelo medo de estar cometendo um terrível erro.
Precisávamos justificar essa busca para que não nos julguem loucos antes mesmo de podermos explicar.
Mas a Aurora Boreal não passava de um instante, não era fato definitivo e eterno; também não se pode engarrafar suas cores e levar uma amostra para casa. Encontramos nosso objetivo, admiramos por breves minutos e como uma facada em nossos corações maltratados, ela se dissipou bem diante dos nossos narizes. Devia haver algum engano: não viajamos milhares de léguas por aquele espetáculo tão breve. Inconformados, esperamos – ela tinha de reaparecer – nos posicionamos ainda mais ao norte, beirando o abismo do fim do horizonte. Tememos despencar da curva do mundo e cair eternamente no vazio. Não sei dizer ao certo se deliramos naquele momento, mas um vulto de Aurora Boreal nos agarrou pelas mãos e afastou do precipício. A segunda ilusão: era apenas uma lufada de vento pesado com todas as suas partículas de água semi-congelada. A decepção seguida do desespero. Deixamo-nos salvar por um engano.
Por fim ficou resolvido que voltaríamos para a Antártida com mais prejuízos do que levamos na ida. As cabeças baixas, os pés doloridos e as novas descobertas: a recompensa não vem pelo simples fato de termos nos sacrificado até o nosso limite e as coisas abstratas que parecem o lugar mais confortável e sereno para repousar não passam de poeira do deserto de gelo. E poeira se dissipa com o vento.

Justificando as metáforas: os pingüins são minhas múltiplas personalidades; a Aurora Boreal é algo semelhante ao amor; a Antártida é a sanidade e o Ártico (do outro lado do globo terrestre) são as ilusões.

Written by: Angélica Manenti

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