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terça-feira, 15 de junho de 2010

Abandono da Dor


Que se percam de uma vez por todas essas palavras arredias, agora que já não se faz necessário agradar aos olhos de ninguém; e eu que já fui tão dada aos desesperos agora não sinto sequer um esgar de angústia. Olho com tão pouco apreço as aflições de uma alma desanimada, que acredito mesquinha a atitude de explorar estas culpas no papel. Constatado ser hipocrisia eu me aproveitar dos seus ouvidos pacientes para gastar minha cólera, eu enfim não encontro mais uso nestes desabafos sôfregos, repletos de vielas escuras e sem saída. Acho os sentimentos mais comuns tão afetados de exagero que os rejeito; e assim, em meio ao asco da fome, à indiferença do sono e a sujeira do medo, eu renego a mim mesma por inteiro. Expulso meu espírito para fora de mim, a fim de que ele crie suas pernas e vá se esgotar sozinho, livre da ironia de me manter viva.
Aceito alguma leitura que me foi recomendada com a esperança de me deparar em linhas alheias com alguém que tenha herdado o dom de me descrever com a coragem que eu jamais tive. Busco incessantemente nos detalhes encontrar meus monstros, vasculho as saliências, e no profundo de um pesadelo eu encaro a paz. Uma paz esmagadora e indesejada que brota do abandono da complexidade. Confronto meus instintos: sou pega na armadilha da minha própria mentira. Depois de tanto apoiar minhas razões em problemas que inventei, depois de rastejar por um pesar qualquer ao ponto de acabar sentindo pena de mim eu me pego vazia; tão simples e aliviada que o próprio sofrimento não é mais capaz de me agradar e eu não consigo recordar de nada que possa me servir como pretexto para reclamar.
Tudo está perfeita e debilmente em ordem. Tudo está salvo, mas eu sonho em recuperar minha dor.

Written by: Angélica Manenti

2 comentários:

  1. É preciso fazer bagunça para ter o que arrumar e se sentir limpo novamente.
    Não apoio o que você quer, tu sabe - pelo menos, se for o que eu tô pensando... Mas sabes que, querendo ou não, tô sempre aqui.

    Beijos, anã!

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  2. Angélica, a dor está sempre perto de nós. Saber como lidar com ela é um dos nossos grandes desafios. Mas não podemos desejar tê-la como comparsa ou companheira. Luz para você! Maria Célia do blog:
    http://milagresdamariacelia.blogspot.com/

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